Todas as coisas cooperam para o nosso bem
Joel Beeke
Na última mensagem nós começamos a considerar a ousada promessa de Rm 8:28, “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Nós consideramos nove diferentes maneiras pelas quais a aflição coopera para o bem dos verdadeiros cristãos. Então, prometi que hoje, na segunda e conclusiva mensagem sobre esse grande texto, nós consideraríamos como Deus pode fazer com que o abandono divino e até mesmo o próprio pecado cooperem para o bem do Seu povo.
Quando o abandono divino coopera para o Bem
Se você é um cristão verdadeiro, talvez a melhor maneira de persuadi-lo de que até mesmo quando Deus parece se afastar de nós ou abandonar-nos, Ele o faz visando o nosso bem estar, vou fazer-lhe algumas perguntas:
1- Será que esse “abandono” de Deus não o leva a buscar em oração e considerar a comunhão com Deus como nunca dantes, o levando a bater nos portões do céu com incessantes petições?
2- Será que Deus não usa esse “abandono” para fazê-lo examinar sua alma a fim de descobrir, arrancar e lançar fora as malditas ervas daninhas do pecado que o fizeram se afastar de Deus e Ele de você?
3- Quando o Espírito Santo o ensina que a causa mais comum desse “abandono” divino é o seu próprio pecado, isso não o faz odiar o pecado com um ódio santo?
4- Será que Deus não usa Seu próprio afastamento como uma lima para com ela retirar a ferrugem espiritual de sua vida — ferrugem que se desenvolve tão depressa na sua fé, esperança, amor e outras graças de Deus quando não utilizadas regularmente?
5 - Será que esse “abandono” de Deus não serve para, com as influências secretas do Espírito, curá-lo de enfermidades que ainda restam em você, fazendo-o deixar os pensamentos mundanos, conversas mundanas e atitudes mundanas.
6 – Você já não experimentou que o Espírito Santo usa esses afastamentos de Deus para acabar com a sua confiança em qualquer coisa dentro de você mesmo, como suas experiências, sua humildade, suas orações, sua fé ou sua conversão, para que você possa aprender a, mais plenamente, confiar e descansar somente em Jesus Cristo?
7 – O Espírito Santo não utiliza o abandono divino para acabar até mesmo com a confiança que você tem nos benefícios graciosos que Deus lhe tem concedido, a fim de que aquilo que Deus lhe dá não governe sua alma acima e mais do que o próprio Senhor?
8 – Através do aparente abandono de Deus você não é frequentemente ensinado que as Suas “demoras” na sua vida não significam que Ele o está rejeitando, não quer dizer que Ele não virá, mas que, no Seu tempo e do Seu modo, Ele novamente se aproximará para ter comunhão com você através da Sua Palavra?
9 – Será que o Senhor, às vezes, não se detém para ensinar-lhe que Ele nunca seria justo se mantivesse comunhão com você independente de você continuar pecando contra Ele?
10 – Será que através desse “abandono divino” Deus não o convence de que Ele deve ser honrado tanto na Sua “presença” como na Sua “ausência”?
Caro irmão, se você for honesto, diga se esses frutos do abandono divino não são proveitosos para você ainda que você frequentemente lute contra muitos deles? Será que você não vê que Deus o leva até as profundezas do abandono antes da sua morte a fim de livrá-lo das profundezas da condenação depois dela. Quando Deus parece lhe abandonar, você chega até a temer que Ele o esteja colocando às portas do inferno, mas depois, será que você não é levado a confessar que Ele fez isso a fim de livrá-lo de lá por toda a eternidade? Esses “abandonos” cooperam para o seu bem estar espiritual, para prepará-lo para o céu e para fazer o céu ainda mais celestial, quando você adentrar a glória. Na verdade, como diz o Catecismo de Heidelberg (pergunta 47), mesmo quando Deus parece se ausentar de você, Ele continua secretamente presente com a Sua divindade, majestade, graça e Espírito.
Mesmo o pecado coopera para o Bem
“Todas as coisas”, diz Paulo, “cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. E todas as coisas incluem não apenas a aflição e o abandono divino, mas até mesmo o pecado. Mesmo o pecado coopera para o bem — não para o bem daqueles que amam o pecado, mas para o bem dos que amam a Deus. Foi com muita propriedade que Agostinho escreveu: “Deus nunca permitiria o mal, se Ele não pudesse transformá-lo em bem”. É claro que aqui nós estamos pisando em terreno perigoso, pois não há nada pior que o pecado. Nós devemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance para desencorajar, e não encorajar o pecado.
Ao considerarmos em como o pecado coopera para o bem do povo de Deus, nós devemos sustentar, ao menos, três pontos importantes.
Primeiro, nós precisamos afirmar que não existe nada de bom no pecado em si mesmo. O pecado é o maior de todos os males; nele e dele mesmo não pode operar nada além de morte e condenação. Thomas Watson escreveu: “O pecado é como um veneno, que corrompe o sangue, contamina o coração, e que, sem um soberano antídoto, leva à morte”.
Segundo, nós precisamos afirmar que aqueles que encorajam a si mesmo ao pecado, com o argumento de que dele advirá algum bem, estão deturpando as Escrituras para a sua própria condenação. Paulo afirma claramente que praticar o mal para que venham bens apenas faz justa a nossa condenação (Rm 3:8). Uma das principais marcas de um cristão é odiar o pecado e amar a santidade e a piedade.
Terceiro, apenas a natureza humana corrompida pode abusar da doutrina de que o mal resultará em bem, pois a graça verdadeira nunca trata o pecado com leviandade. O pecado cooperará somente para o bem daqueles que o odeiam. Ele cooperará para o bem daqueles que amam a Deus e abominam a si próprios por causa do pecado. Ele cooperará sim para o bem daqueles que foram humilhados pelo pecado e que correm para Cristo para serem salvos dele, e que não ousam permitirem a si mesmos o menor pecado que seja para ganhar o mundo inteiro. O pecado cooperará para o bem daqueles que consideram o menor dos pecados pior do que a maior das aflições. Ele cooperará para o bem daqueles que, conhecendo a sua própria fraqueza, lutam seriamente contra o pecado, usando a Palavra de Deus, o sangue de Cristo, o poder do Espírito e a oração fervorosa para travar uma guerra santa contra ele.
Mesmo assim, embora o pecado seja em essência pior que o inferno, se formos crentes verdadeiros, Deus, por meio de Cristo, e pelo seu imenso e soberano poder, usa até mesmo o pecado para o nosso bem espiritual. Deixe-me expor quatro maneiras em que isso acontece.
Primeiro, Deus faz com que a pecaminosidade do pecado nos leve a um verdadeiro auto-exame e auto-conhecimento. As Escrituras nos dizem que o Senhor permitiu que Ezequias caísse para mostrar-lhe o que havia no coração. Quando nos encontrarmos em nosso devido lugar diante de Deus, nós não nos esquivaremos de saber o pior sobre nós mesmos, assim como um paciente que sofre de câncer pede para saber quão grave é o seu estado. Por isso Jó orou: “Notifica-me a minha transgressão e o meu pecado” (13:23). Por natureza nossos pecados nos desmascararão, mas pela graça nós os desmascaramos. Por isso, somos levados pelo Espírito, a um profundo e proveitoso auto-conhecimento, nos fazendo confessar juntamente com Paulo, “sou o principal dos pecadores”, ou com Martinho Lutero, “eu não sou somente miserável, mas a miséria em pessoa”.
Segundo, Deus usa a pecaminosidade para levar-nos a condenar a nós mesmos. Crentes verdadeiros são levados a proferir uma sentença condenatória contra eles mesmos, tomando o lado de Deus contra si próprios. Thomas Watson, profundamente, observa: “Quando um homem julga a si mesmo, Satanás é deposto de seu cargo de acusador. Quando ele lança alguma acusação contra um santo, este é capaz de responder: ‘é verdade Satanás, eu sou culpado desses pecados, mas eu já julguei a mim mesmo por eles, e, havendo condenado a mim mesmo no tribunal da consciência, Deus, em Cristo, me absolverá no tribunal superior dos céus!”. Deus nunca desprezará um pecador que a si mesmo já se condenou e que se confia exclusivamente à Sua misericórdia. Antes, meu pecado como filho do primeiro Adão coopera para o bem quando dá lugar à justiça do segundo Adão, Jesus Cristo. Deus usa o maior de todos os males, o pecado, para dar lugar ao maior dos bens, a comunhão com Ele. Usa a condenação como que para abrir a porta da salvação.
Terceiro, a pecaminosidade do pecado coopera para o bem do crente ao mantê-lo engajado no bom combate da fé. O crente não somente leva uma vida de peregrino e forasteiro, mas também de soldado. O seu coração é um castelo em perigo de ser invadido a qualquer momento. A cada dia um pesado combate é travado entre duas forças, pois “o espírito milita contra a carne” (Gl 5:17). “Vigiai e orai”, deveria ser a disposição diária, sim, de cada momento, de nossas vidas como crentes.
Em quarto lugar, uma consciência da pecaminosidade do pecado também pode produzir o proveitoso fruto da reforma espiritual. Quando Deus permite que o seu povo caia em pecado, a sua intenção é com isso quebrar a força do pecado em que incorreram. Abraão tropeçou na fé, mas veio a ser um campeão da fé. Moisés tropeçou na mansidão, mas foi um campeão da mansidão. Pedro tropeçou no zelo, mas tornou-se o campeão do zelo. Deus faz com que as enfermidades do Seu povo tornem-se seus próprios remédios quando Ele lhes concede a graça de não só descobrir, mas também de abandonar os seus pecados.
Eu não poderia concluir sem fazer uma séria advertência: lembre-se, você cristão, que embora o Senhor faça com que até mesmo o pecado resulte em bem, permita adverti-lo a nunca tratar o pecado com leviandade, nem a tornar-se ousado no pecar. O pecado sempre terá um preço muito alto. Assim como a graça é sempre maravilhosa, o pecado é sempre abominável. Lembre-se de Davi. O pecado lhe custou a sua paz, uma família destruída, e os terrores do Altíssimo. Ainda que o Senhor nunca condene os Seus filhos, Ele os fará provar, nesta vida, algo da amargura do inferno, quando estes se meterem com o pecado. Ele castiga o pecado quando os coloca em agonias e aflições tais que eles podem, às vezes, até ficar tomados de horror e a serem levados a beira do desespero.
Oh, que esse abominável caráter do pecado, assim como suas consequências, possam servir como espadas flamejantes para impedi-lo de comer da árvore proibida da iniquidade!
Meu caro amigo não-convertido, se você ainda não nasceu de novo, nem a aflição nem o pecado, nem nada cooperará para o seu bem. O pecado pode apenas trazer morte e condenação para você, a menos que você aprenda a correr para Deus pela fé e em arrependimento, confiando a si mesmo à Sua misericórdia em Jesus Cristo. Por natureza, através do pecado, nós pedimos a Deus o caminho mais curto para o inferno, preferindo dormir em nosso caminho para a condenação do que suar no caminho rumo à salvação. Não se esqueça que aquele que for condenado viverá no inferno por tanto tempo quanto o próprio Deus habitar no céu. Se você se recusa a crer em Cristo, então você acabará no inferno um dia, e lá você estará constantemente morrendo sem nunca estar morto. No inferno não há alívio, não há descanso, não há fim para a ira de Deus.
Amigos, me permitam fazer-lhes uma última pergunta: Vocês podem, por um lado responder com Crisóstomo quando ele recebeu uma mensagem ameaçadora da imperatriz, “Ide e dizei a ela que não temo a nada senão o pecado!”, e por outro como também fez um piedoso homem quando lhe foi oferecida uma promoção pelo Rei George III, “senhor, eu não quero nada além de mais graça”? Para aqueles que odeiam o pecado e amam a graça, Deus cumprirá Sua promessa, apesar das aflições, do abandono, e do pecado: “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”.
Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/meditacoes/todas-as-coisas-cooperam-para-o-nosso-bem-joel-beeke.html#ixzz1EZKRzIjJ
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